Com a força pungente de uma escrita forjada na ancestralidade, na dor e na resistência, Conceição Evaristo apresenta em Olhos D’Água uma coletânea de contos que transcende a narrativa convencional e se instala como um verdadeiro marco da literatura afro-brasileira contemporânea. O livro, publicado originalmente em 2014 pela Editora Pallas, não apenas denuncia as múltiplas formas de opressão vividas pelo povo negro no Brasil urbano e periférico, como também o faz com uma estética profundamente poética e envolvente.
Desde o primeiro conto, o leitor se vê mergulhado em um mosaico de existências negras — majoritariamente femininas — que, embora distintas em trajetória, compartilham a mesma condição de resistência cotidiana. Mulheres como Ana Davenga, Duzu-Querença, Natalina, Luamanda, Zaíta e Cida compõem essa galeria viva de personagens, ou talvez reflexos da mesma personagem, multiplicada e recriada a partir do olhar sensível e afiado de Evaristo. O olhar d’água do título simboliza não apenas as lágrimas, mas também a ancestralidade, a memória e a fluidez com que a autora articula suas narrativas — há dor, sim, mas também beleza, força e reinvenção.
Cada conto oferece uma visão corajosa e sem idealizações sobre as marcas deixadas pela pobreza, pelo racismo estrutural, pela violência doméstica e urbana, e pelo abandono estatal. A linguagem é enxuta, precisa, por vezes cortante, mas sempre embebida de lirismo e compaixão. O conto “O Cooper de Cida”, por exemplo, ilustra com rara sensibilidade como o corpo feminino negro transita pela cidade em constante estado de alerta e tensão, equilibrando-se na “corda bamba do tempo” — metáfora potente que ecoa por toda a obra.
Olhos D’Água é também uma ode à maternidade negra — às mães ausentes, presentes, lutadoras, mutiladas, amorosas e resilientes. Evaristo nos lembra que existem várias formas de amar e sobreviver. Não há romantização das mazelas sociais, mas sim uma denúncia clara e dolorosa dos mecanismos históricos que perpetuam a marginalização da população negra. O que a diferencia, porém, é o modo como essa denúncia se dá: por meio de uma literatura que pulsa verdade, afetividade, memória e revolta em equilíbrio constante.
Com 116 páginas escritas em português, este livro é indicado para leitores a partir de 17 anos e se tornou o 1º mais vendido na categoria Contos de Literatura e Ficção, não por acaso. Conceição Evaristo, com sua “escrevivência” — termo cunhado por ela própria para definir a escrita que nasce das experiências vividas e herdadas —, firma-se como uma das mais importantes vozes da literatura brasileira contemporânea. Seus textos são bússolas para quem deseja compreender a complexidade das relações sociais no país, e especialmente a condição da mulher negra.
A obra Olhos D’Água, de Conceição Evaristo, está disponível na Amazon em versão ebook Kindle e ePub, pronta para tocar, transformar e reverberar nos leitores que se permitem enxergar além do espelho da branquitude. Mais do que leitura, é testemunho. É memória que sangra e cura ao mesmo tempo. É literatura necessária — hoje e sempre.
